A carta do ano novo

Zander Catta Preta

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Pessoas queridas, estou bem.

Nem ótimo e nem maravilhoso. Bem.

Tenho rotina. Durmo, acordo, levanto, trabalho, converso, amo, odeio, silencio, procrastino, deito, durmo, sonho.

Sim. Sonho. Voltei a sonhar. Coisas prosaicas, mundanas. Pagar contas, comprar cortinas, pintar a casa. Sonhos pequenos.

Fazia tempo que não sonhava.

Também estou atento. O mundo fica mais furioso à medida que envelheço. Não fomos feitos para sobreviver aos quarenta anos. Digo, tudo conspira para deixarmos de viver aos quarenta. Por isso fico atento. Vai que em algum momento o mundo me relembra dessa verdade.

Estou triste também e isso é bom. Amigos perderam o emprego, parentes, a razão e os documentos. Uns aí se perderam de si. Fico triste por eles. Me enxergo em cada uma dessas perdas e me condoo. Não morre em mim a empatia.

Ando muito parado. Parece que economizo energia para algo grande que está para acontecer. Dizem que é prenúncio de felicidade, mas faz tempo que não sinto seus cheiros nem ouço seus gozos. Digo. Minto. Não faz tanto tempo assim. É que ando esquecido, sabe? Muito tempo parado a gente perde a noção do movimento que a felicidade traz.

Dizem que o ano acaba agora. Todo ano dizem isso. Teimam, insistem. E olha que o ano teima junto e acaba. Dois mil e vinte e quatro foi um ano que teimou bastante. Acho que acabará também.

Faz um tempo que preferi ver a troca dos calendários na calma e na companhia de quem me antecede. A gente não tem mais a gana das festas, das farras, das comidas. A gente quer apenas a companhia da gente com as falas e os silêncios que já conhecemos bem.

Este ano não vai ser diferente. Tô com a mãe e os cachorros enquanto posso, enquanto podemos estar juntos. Quinze dias de calma e ritmo.

E tá tudo bem.

Pessoas queridas, que o ano vindouro seja bom. Que vocês consigam ritmo. Calma. Tempo para as coisas se assentarem. Que tenhamos tempo para ter tempo.

Que seja doce. Que seja saudável. Que venha

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