A ciência da imbecilidade

Zander Catta Preta
3 min readOct 25, 2023

--

Costumo dizer que existem três “personalidades” que morando na nossa cabeça e que nunca conseguiremos nos livrar delas. Já escrevi um pouco sobre isso aqui no Medium e esse texto foi pro livreenho, O Zen e a Arte de Sobreviver a mais uma Reunião que poderia ter sido um E-Mail: o ignorante, o idiota e o imbecil, mas do ponto de vista corporativo. Só que digo mais: todo mundo é um pouco (ou muito) ignorante, idiota e imbecil.

Antes da gente começar uma treta, me deixem definir cada termo, ok?

O ignorante não precisa de muita definição, né? Todo mundo ignora alguma(s) coisa(s) do mundo, da realidade. É impossível as pessoas conhecerem tudo de tudo o tempo todo. E é isso. Somos ignorantes de muitas coisas. Tenha medo daquele que diz “sei tudo” de algo. Já trabalhei com gente assim. Se ferravam quando o mercado, ou as condições de trabalho mudavam.

Uso o termo idiota como os gregos usavam (ἰδιώτης idiṓtēs), era aquele que se excluía dos assuntos da pólis, da cidade. Não se interessava pelas questões públicas, focando em seus assuntos particulares. Todos temos momentos de introspecção, de busca dos assuntos particulares ou que precisamos colocar nossos interesses acima do coletivo. É natural. É normal. E tudo bem ser idiota (mas não o tempo todo, né?).

E chamo de imbecil aquele irredutível em um saber, mesmo com provas ao contrário.

“Ain, Zander, mas todo mundo muda de ideia quando apresentado à verdade!”

Então, pçoa. Não. Nossas crenças, nossos ideais, são parte construtiva da imagem que fazemos de nós mesmos. Quando confrontadas, a gente entra em posição defensiva e se fecha a toda e qualquer argumentação. Afinal, aquele argumento vem para desconstruir o que acreditamos, o nosso ser basal.

E todo mundo tem um pouco disso. Quem ama futebol, por vezes não entende ninguém que despreza o esporte. Quem ama viajar, não concebe quem não curta ou prefira ficar em casa nas férias. São coisas prosaicas, mas que demonstram a incapacidade natural que temos em nos colocar no lugar do outro. E isso não apenas é uma imbecilidade, mas como uma idiotia e ignorância.

Não fazemos o exercício de entender o outro da maneira em que ele se apresenta, daí ignoramos o saber que o outro nos traz (ainda que descolado de uma realidade racional e/ou concreta); nos fechamos em nossos assuntos, descartando os assuntos do outro e assumindo os nossos como o universo que nos interessa. E não preciso dizer o porquê é uma imbecilidade, né?

Não dá para irmos contra esses vieses cognitivos. É um gasto de energia absurdo. O que dá para fazer é tentar mitigar no dia-a-dia.

Me reeduco para não usar mais esses termos como sinônimos de pessoas com dificuldade de aprender, entender e desconstruir saberes. Me considero ignorante de muitas e muitas e muitas coisas, sou um idiota para diversas posições coletivas (não me perguntem sobre guerras, viagens, futebol, ou corrida de automóveis; não tolero!), e um imbecil quando confrontado a ideais muito caros a mim (direitos humanos, liberdades individuais, combate às desigualdades sociais e coisas de “esquerdopata”). Mas sugiro a cada um de nós olhar para essas limitações e observar quando estamos em algum desses limites, quando conseguimos dar um passo para trás e revisar as situações. Assumir uma ignorância, tomar ciência de alguma idiotia e repensar as imbecilidades diuturnas.

Fica a dica.

--

--