Acorda pra vida!

Zander Catta Preta
2 min readOct 31, 2023

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Acordei pensando numa expressão que minha avó falava para seus filhos (minha mãe e tios) quando acordavam e se preparavam para ir ao trabalho (e para mim, quando enrolava para ir à escola).

— Está na hora de ganhar a vida.

Sempre tomei essa frase sem pensar muito. Não que a tenha usado em algum momento, pelo que me lembro, mas ela moldou minha forma de pensar. É o tal mindset, sabem?

Parece que a gente só “ganha” a vida quando acorda cedo e vai trabalhar. É como se houvesse apenas uma forma de “vencer” ou de “fazer” a vida (outras expressões que já ouvi muito por aí).

Desde cedo achei que trabalho era a razão da gente estar por aqui. Não à toa que, quando a gente apresenta alguém a uma turma, falamos “fulano é advogado”, “sicrana trabalha comigo; é diretora de operações”, “beltrano é jogador de pôquer profissional”.

Não quero entrar na platitude que “somos maiores e além do nosso trabalho”. É verdade, e isso está mais que batido. Meu ponto é que temos uma mentalidade determinando que profissão É A ESSÊNCIA da pessoa. É o que ela faz — no sentido de “ganhar a vida” — que define quem ela é.

Tenho amigos e amigas que não conseguem dizer o que faço da vida até hoje. Talvez nesta rede seja mais fácil dizer que sou/trabalho como Product Owner ou Manager, como Project Manager ou Publisher de uma editora. Esses jargões já estão difundidos na minha bolha profissional. Mas eles fazem sentido? Tipo… Fazem sentido para meus amigos de mais de trinta anos de convivência? para minha família? para meus filhos? pra mim?

Nesta lógica estranha e cruel, quem sou eu para eles? Alguém estranho de sobre quem não conseguimos falar?

Gosto de pensar que sou generoso, compreensivo, empático e simpático ao outro (apesar de adepto da “comunicação muito violenta”). Que sou conhecedor de quadrinhos, livros de ficção científica, filmes de terror e RPG (o jogo, e não a linguagem de programação ou a terapia corporal). E que cozinho bem. Mas nada disso me faz “ganhar a vida” e não me tentem fazer disso profissão. Não é para ser. São expressões do meu carinho, da minha necessidade de contar umas histórias e conhecer outras.

Talvez seja assim que ganhe vida. Através do amor, de contar e ouvir histórias.

O resto é para pagar as contas.

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