Mais uma de fim de ano.

Zander Catta Preta
2 min readJan 1, 2024

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“O Crisóstomo pensava que o corpo dos homens estava condenado a uma tristeza maior, como se fosse o corpo fraco da humanidade, o corpo menor. O corpo triste. Pensava que a pele deveria ser mais terra, e sonhava com fazer nascer árvores no peito e flores pelos braços e ter rios a correr por sob as pernas e entornar nas coxas giestas fartas e um milharal inteiro. Sonhava que atirava sementes de girassol sobre si e que se pacientava durante uma estação até ver como todo ele procurava o sol, florescendo como um lugar onde a vida se vinha fazer nascer.”
O filho de mil homens — Valter Hugo Mãe.

O tal de 2024 vem como terra fértil onde se planta sonhos, expectativas, objetivos e trabalhos.

Os sonhos se dissipam ao abrir os olhos. O sol é forte demais para manter vivos os sonhos de quem tem os olhos abertos. As expectativas serão alteradas, mudadas, frustradas. O mundo não combina contigo o jogo a ser jogado. Não dá para esperar que jogue limpo um jogo de regras escondidas. Os objetivos são irmãos siameses das expectativas. Carregam consigo os números e estudos que lhes dão uma capa de verdade possível. Se desmontam nas mesmas hipóteses da irmã.

O trabalho, esse não muda.

A gente trabalha desde o primeiro choro, desde que aprendemos a andar e a pedir o leite à mãe. Para os que têm mãe. A gente trabalha de olhos fechados, a dormir. O sonho é trabalho de olhos fechados. A gente pensa que trabalho é só de segunda a sexta, das nove às dezoito. Isso é emprego. Trabalho é coisa de se estar vivo. Só não trabalha quem não vive. Mas veja, até as rochas trabalham. Lentamente. Uma rocha anda de um lado a outro do mundo, carregando consigo continentes. É o maior trabalho de todos.

É talhar no mundo o rosto de milênios.

O ano novo vem como terra fértil para a gente trabalhar. Que se are e plante sonhos, mesmo sabendo que eles não vingarão. Conto que eles não vinguem. Que se semeie expectativas e objetivos (odeio metas; a palavra, claro). Elas enganam a mente e criam a ilusão de controle das vidas. E isso é bom.

Que haja muito trabalho para isso tudo aí. E que a gente faça do mundo o rosto que desejamos para quem virá depois de nós.

Sejamos pedras que andam lentamente. Sejamos pedras em 2024.

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