Médio, medíocre, mediano

Zander Catta Preta
3 min readOct 30, 2023

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Muitas vezes fico procurando assunto para escrever algo aqui. Mas nem sempre tenho algo relevante a dizer.

Na real, relevância é um conceito complexo de definir precisamente. O ato de escrever é relevante para o algoritmo; pessoas podem discordar do que falo e aí perco a “relevância” para elas; posso escrever algo que é dado e sabido para outra pessoa e aí se dá o mesmo.

Mas enfim, escrevo essencialmente porque preciso.

Escrevo com alguma regularidade há mais de vinte anos. Tenho blog desde 2001 e, mesmo antes disso, já fazia disso prática de vida. Nunca ganhei dinheiro com meus textos, mesmo vendendo relativamente bem meus livrinhos. Ainda assim, persisto no hábito e no ofício.

Antes que pensem que esse é mais um texto de writer’s block, já aviso que não é, apesar das aparências. Quero falar sobre regularidade, sobre constância.

Dizem que a repetição faz a excelência, né? Tem aquela teoria (meio furada) que precisamos de 20.000 horas para nos tornarmos um especialista em qualquer coisa.

Bom, acho que sou exemplo factual que não é bem assim.

Repetir uma tarefa ou um tipo de atividade não faz de ninguém um especialista, ou ótimo naquele ofício. Digo, talvez te faça bom naquela tarefa ou atividade e só. Uma pessoa que faça muitas provas, talvez se torne uma pessoa excelente em responder provas, mas não significa que é capaz para a função a qual estudou. Conheci cavalgaduras perfeitas que ficaram entre os dez primeiros lugares de concurso que participaram.

Um bom professor, a capacidade de pesquisar, o interesse pelo trabalho dos outros (na mesma atividade ou em uma paralela), o senso crítico e uma boa dose de baixa autoestima são motores MUITO mais importantes que a dedicação. Eles ajudam a pessoa a olhar para além do trabalho em si; expandem a capacidade de enxergar e comparar o que se faz com coisas que estão fora do universo daquele ofício (ou mesmo dentro dele, mas ficam ocultas).

O lance é que, se a gente quer ser bom, mas realmente bom em algo, precisamos olhar esse algo “de fora”, a partir do ponto de vista do outro, daquele que não está fazendo parte do contexto, de quem conhece nossa atividade e sabe criticar (no sentido clássico da coisa: dissecar, analisar e desenvolver análise sobre). E garanto a vocês, é o mais difícil.

Em primeiro lugar tem o tal do “ego” (o qual é mal usado por aí, mas vamos com o coloquial mesmo), impedindo a podermos olhar sem paixão para o que fazemos. Amigo meu, ao me enviar um original de texto, não aceitou os comentários que fiz. Normal, ninguém é obrigado a aceitar nada (sim, estou falando com você, defensor do tal feedback corporativo!), principalmente se não bate com a intenção do seu trabalho.

Em segundo lugar, temos a falta de olhar para o outro. É clássica a imagem do escritor que não lê (sério… tem mais disso por aí que possamos imaginar) e do profissional de administração ou TI que não se atualiza (ou pior: só lê livros de “autoajuda empresarial”). Vão conduzindo seu trabalho às cegas, orientados apenas pelo ambiente corporativo.

Em terceiro (e último lugar) tem a falta de criticidade. E isso vem do entorno do profissional (do texto ou de qualquer outra função). Se não há ninguém orientando ou ajudando a conduzir o que se faz, a pessoa não consegue fazer a “poda” do seu trabalho, desenvolvendo de forma que atinja uma excelência (ou nível ótimo, vá lá) do seu ofício.

Já disse outras vezes que adoro o profissional “regular” ou “mediano” (isto tem nada a ver com senioridade, vejam bem!). O profissional medíocre me entrega as coisas na média, na constância. Tem uma presença mediana, uma produção média, um comportamento “na norma”.

Temos uma cultura que incensa o outliner, aquele que “pensa fora da caixa” e é brilhante no que faz. Só que o trabalho desse outliner é fundamentado em uma produção regular, numa entrega “na média”, feito por profissionais medíocres. No frigir dos ovos, um só funciona com o outro. E não tem nada errado nisso.

O problema, pra mim, é transformar uma das figuras como o objetivo principal de todos os profissionais. É tão ruim mirar no excelente como norma quanto capar o outliner para que ele vira mediano, regular, medíocre.

Quando a gente tem apenas um modelo do certo, matamos todas as possibilidades, inclusive do próprio.

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