O silêncio dos espaços vazios

Zander Catta Preta
3 min readOct 27, 2023

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Faço terapia há mais de dez anos e, independente do que você pense sobre psicanálise, tem me feito muito bem. Melhor que a terapia em si, os papos que tenho com a terapeuta são fantásticos. A gente conversa desde questões existenciais até a programação cultural da cidade, passando por política, comportamento social e pessoal.

Pois bem! Um dos conceitos que tenho/tinha era da estrutura da comunicação (que, claro, foi contestado pela terapeuta). A gente aprende, na faculdade de Comunicação Social, que há dois modelos igualmente válidos, apesar de serem contraditórios, aparentemente. Temos o clássico, desenvolvido por engenheiros de comunicação para entender, desenhar e controlar a eficácia dos telégrafos. É aquele modelo do emissor, meio e receptor.

Tipo base da base da base da comunicação de massa. E uma das máximas que se ensina aí é que “se a mensagem chega errada no receptor, a responsabilidade é do emissor”. Isto norteia BOA PARTE das regras de redação jornalística, acadêmica e publicitárias. A mensagem tem que ser clara, resistente às leituras dúbias e objetiva.

Daí chegaram alguns pensadores da comunicação (não vou conseguir citar o nome de nenhum no momento, por motivos de falta de paciência em pesquisar) e bagunçaram tudo. Misturaram Hegel no processo e a passamos a falar de uma dialética da comunicação que, simplificando, não há emissor sem um receptor; não há meio se não há mensagem. Não há nenhum dos atores se a mensagem não se dá.

Ou seja, é tudo junto e misturado ao mesmo tempo (e é assim que deveríamos analisar Maslow, mas isso é outro papo). Ainda assim, mesmo dividindo as “responsabilidades” das mensagens por todos os pontos identificáveis (emissor, meio, mensagem e receptor), mantemos a estrutura de criação do texto. O emissor é o responsável pela clareza, objetividade, resistência.

Certo? Pois bem…

Uma coisa que sempre incomodou o escriba aqui é a incapacidade de pessoas (eu incluso) de entender um determinado texto. Muitas vezes pergunto ao autor (literal e figurativamente) o que ele quer dizer sobre aquele assunto. Qual sua intenção. Qual a informação que ele quer passar. E afirmo que o erro é de quem lê (eu, estou falando de mim, mas vai que…).

A terapeuta me lembrou de (ou ensinou, sei lá) duas coisas que se aprende quando estudamos Lacan. A primeira é que a responsabilidade de entendimento de uma mensagem é de quem lê. Ou melhor, que não temos controle sobre o que o outro entenderá daquilo que falamos. Um ruído (de diversas naturezas) entra no meio e embaralha tudo. E esse ruído é fundamental para mapear o contexto.

O processo de absorção de um texto informativo (ou filme, ou poesia, ou música, ou passagem religiosa, ou…) é necessariamente contextual. Se não entendemos o contexto do texto e, principalmente, não conseguimos perceber NOSSO contexto, não conseguimos apreender o que é comunicado.

O segundo ponto é a comunicação incessante. O silêncio comunica tanto quanto a fala; a ausência é tão importante quanto a presença. O ruído é fundamental para a identificação do sinal.

Comunicamos tanto no silêncio quanto na fala. O ruído que nasce da não-fala é ensurdecedor. E nem falo do silêncio de uma discussão, ou dos tais intervalos da música usados por John Cage em suas obras. Ou ainda do não-dito numa prosa, poesia ou texto jornalístico (os mais perigosos, acho).

Falo mais do silêncio dos amantes, dos que dividem um cotidiano, dos pais e filhos que se entendem num olhar. Do ódio que fustiga o corpo do outro e se expressa no rosto distorcido, ou daquele que esbravejamos para com os invisíveis do dia-a-dia (os mais violentos, tenho certeza).

Esse silêncio fala pacas.

A gente se expressa não se expressando, não temos controle do entendimento do outro e o ruído sempre existirá. O que resta ao comunicólogo?

Talvez aceitar isso tudo e levar o seu trabalho adiante, apesar de.

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