Parmênides e Popper entram num bar…

Zander Catta Preta
3 min readOct 24, 2023

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Todos sabemos que a língua (e a linguagem, de certa forma) é uma redução da realidade, certo? Certo???

Pois é. Nem todo mundo se dá conta disso, de que a língua é uma representação de uma ideia, uma abstração, um conceito ou de um ente observado. Não me vem agora os pensadores que elaboraram esse conceito (talvez Horkheimer, talvez Wittgenstein, ou mesmo Freud), mas a ideia ficou cravada na alma.

Parte do pensamento cínico, desde Antístenes e Diógenes de Sínope, versa sobre a incapacidade do ser humano de apreender a realidade, de conhecer verdadeiramente a Verdade Absoluta. O que nos resta, segundo parte desse pensamento, é uma simulação da verdade, uma representação do real em ferramentas que a limita, define e limita. E isso é bom.

Normalmente quando falo disso para as pessoas, dou como o exemplo o Sol. Cada vez que falamos “Sol”, não trazemos para a fala toda a realidade da nossa estrela. Não significamos, necessariamente, as tempestades solares, o puxão gravitacional, as emanações eletromagnéticas, a formação e história do corpo celeste. Deixamos as representações para quem escuta, de acordo com seu conhecimento e bagagem imagética. A palavra “Sol” reduz a realidade da coisa-Sol em algo que podemos, dentro do seu limite, trabalhar cognitivamente.

Popper, no livro O Mundo de Parmênides, desenvolve a necessidade de se deduzir o mundo através dos fatos, dos eventos e a linguagem surge como objeto dinâmico da representação desses fatos e evento. Entender os limites da linguagem — e seu processo autofágico, de retroalimentação para a construção do falar sobre a fala — é fundamental para entendermos os nossos limites cognitivos.

O texto acima pode parecer bullshitagem sobre a fala, mas é sério. Quando entramos numa reunião com os C-Levels ou quando fazemos nossas apresentações de resultado, pitchs para ideias ou mesmo quando defendemos ideias, projetos e funcionalidades para a equipe, é legal sabermos que tudo o que fazemos no mundo digital são representações de algo além. E quando uso o “tudo”, quero realmente dizer isso.

Vou tomar como exemplo o trabalho feito pela maioria das fintechs do mercado. Boa parte delas surfa uma onda da qual não apreendem os conceitos. Pelo menos, é o que vejo em seus discursos. Boa parte do que é dito/apresentado é uma replicação de ideias e palavras que já perderam seus sentidos originais. Não mais reduzem um real ou crescem por retroalimentação, são reduções de si mesmas.

O que me encanta no processo de “desmaterialização” do dinheiro é o caminho para sua origem, para sua realidade. O dinheiro é uma quantificação de uma abstração. É uma linguagem em si. Representa o valor (imaterial) de algo concreto, ou pseudo-concreto, como uma ação ou uma moeda digital.

Mas isso passa ao largo dos discursos. O apelo é sempre à riqueza (qual riqueza? qual o resultado real?), à facilidade e à comodidade em comparação aos sistemas já existentes.

Cadê a base epistemológica desse processo? Cadê as pessoas demonstrando que essa desmaterialização da moeda, do talento de prata sumério até as notas e moedas de hoje, é uma busca do real valor das coisas? Que esse movimento é uma tentativa de simplificar o processo de quantificação do valor das coisas, meta-coisas, serviços e meta-serviços?

Pois é. Muito pitch, bullshit e técnica, mas pouco entendimento. Ou conhecimento mesmo.

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