Potências potenciais

Zander Catta Preta
3 min readNov 1, 2023

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Há uns quarenta anos fui apresentado a algo que nenhuma criança ou adolescente deveria ser. Uma série de pessoas com mestrado e doutorado disseram para mim e mais trinta outros colegas de escola que éramos acima da média. Tipo bem acima da média. E isto aconteceu num colégio onde 90% era já bem acima da média intelectual, cultural, cognitiva, o escambau. A gente estava no topo do topo da potencialidade intelectual da nossa idade.

Seja lá o que isto quer dizer.

Éramos crianças começando um dos períodos mais terríveis do crescimento, a tal da adolescência. Deixávamos de ser adoráveis para nos transformar em monstros disformes, desajeitados a ponto de não reconhecermos nossos reflexos ou nossa voz. Tudo mudava rapidamente.

E diziam para a gente: vocês serão os próximos presidentes, governantes, líderes ou o que quiserem ser. Vocês serão excelentes.

Não diziam que seríamos razoáveis, ótimos, bons (por incrível que pareça às vezes o bom é melhor que o ótimo), ou muito bons. Seríamos excelentes. Uma elite.

Claro que isso estava longe de ser realidade.

Quarenta anos depois, lembro dos meus colegas naquele experimento da UERJ e vejo que uma pequena parte deles realmente se destacou em suas profissões. Viraram mais que excelentes, viraram referência para seus pares. Um ou outro se libertou das amarras cotidianas e não têm a mesma preocupação que a quase totalidade dos brasileiros (quiçá, dos seres humanos). Enriqueceram. Ou têm profissões perenes. Não precisam se preocupar se haverá luz, água, gás, comida, saúde, educação, teto, informação. São dados como certos e seguros. Têm o que — meu sonho de adolescente — todo ser humano deveria ter para liberar seu potencial.

E é sobre isso, né?

A gente lê textos motivacionais, assiste a palestras de atletas e executivos, lê biografias de bilionários e se esquece que havia algo ali para despertar o potencial dessas pessoas. Digo, se a gente acreditar na bobagem do “self-made man”. Ninguém faz nada sozinho, pçoa libertária. Todos precisamos de todos.

O ponto é potência. Como a gente descobre a potência em si. Como a gente identifica o que fazemos bem? Quer dizer, no que somos bons de fato e não o que dizem que fazemos bem (ou o que precisamos dizer para conseguir emprego). Ou será a voz do outro que define o que fazemos bem feito?

Porque não adianta sermos gênios no nosso escritório se ninguém se dá conta disso. Todos precisamos de todos, até para sabermos que somos. Que sou eu e não sou o outro. Precisamos do outro como limite, reflexo. O meu bem-fazer é sempre para alguém. Sempre.

Depois de dez anos fui confrontado novamente por essa questão. Me perguntaram: o que você quer? o que você quer fazer? o que você quer fazer bem?

Não sei.

Poderia dizer aqui e acolá que pulo seis metros sem tomar impulso, que fico dez horas sem respirar debaixo d’água ou que levanto doze toneladas com meu dedo mindinho. Ou posso dizer que quero fazer isso tudo. Ser um atleta de salto, um mergulhador de apneia (é esse o termo?), um halterofilista. São essas as minhas potências?

Nosso desejo não é nossa potência.

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